Permitir a pesca de salto e vara em reservas integrais é como permitir o abuso psicológico em casos de violência doméstica.

Não é uma questão científica. A ciência é clara em qualquer dos casos. Argumentar que os atuns são migradores é como argumentar que as palavras não fazem sangue. É cientificamente correto, mas não tem nada a ver com o essencial: proteger o ecossistema ou proteger a dignidade humana.

Hoje é consensual que a violência psicológica é violência, mas esse conceito só entrou no Código Penal em 1982! De então para cá a legislação melhorou continuamente, refletindo a própria evolução da sociedade. Longe vão os tempos infelizes em que o Código Civil impunha o dever de obediência das mulheres ao seu marido.

Em relação à pesca estamos também a evoluir. Penso que quase todos (exceto um punhado de oportunistas políticos) reconhecem a necessidade de restrições à pesca - em nome, note-se (!) da sustentabilidade da própria pesca e, portanto, dos rendimentos dos pescadores. Portugal assinou acordos mundiais e europeus nesta matéria: 30% dos oceanos protegidos por reservas marinhas até 2030, especificando a UE que 10% devem ser reservas integrais. Estas metas estão suportadas por décadas de investigação e ativismo científico e se pecam, é por defeito. Os Açores ambicionaram chegar a 15% de reserva integral, um nobre objetivo perante a indigência das medidas nacionais e europeias. Agora, uma Região que se clama da sustentabilidade prepara-se para voltar aos 0%.

É que uma reserva marinha integral é isso mesmo - não se pesca NADA! A pesca de salto e vara não pode ser uma exceção, mas está habituada a ser. Com a justificação de que as espécies alvo são migradoras, pescam em todo o lado. Com a desculpa de ser uma arte de baixo impacto, capturam toneladas de juvenis de carapau e goraz, em qualquer lugar, por vezes até a roçar as pedras da costa.

Este consenso construiu-se ao longo de décadas, mas tem de acabar. Antigamente era legal bater nas mulheres. Hoje não. Antigamente a pesca de salto e vara não tinha limites. Agora tem.