Capitalismo e toxicodependência
Durante a campanha para as eleições regionais de 2023 tive o privilégio de visitar várias IPSSs e assim conhecer melhor as dificuldades que enfrentam todos os dias. Instituições como a Novo Dia ou a Arrisca trabalham diariamente com as pessoas mais marginalizadas da nossa sociedade, aos quais rotulamos de sem-abrigo ou de toxicodependentes. O trabalho de dezenas de psicólogos, enfermeiros, auxiliares é lidar com as pessoas que o capitalismo mastigou e cuspiu. Pessoas com histórias tristes, pessoas perturbadas, por vezes agressivas. Mas o que vi foi que esse trabalho é feito com sentido de missão, com resiliência, ouso dizê-lo: com amor. O problema que as IPSSs têm não é com os utentes: é com o Estado!
O Estado, que é responsável pela desagregação social que permite que pessoas durmam na rua ou que estejam tão destroçadas mentalmente que caem na dependência da droga, esse Estado prolonga-lhes o sofrimento ao recusar assumir também a responsabilidade de lhes dar o apoio de que necessitam. Em vez disso, explora outras pessoas, de bom coração, que por necessidade ou por convicção se disponibilizam para um trabalho traumatizante e arriscado.
As IPSSs trabalham para o Estado, a fazer o que o Estado se recusa a fazer. E no entanto esse mesmo Estado lida com essas instituições de acordo com as regras do capitalismo mais duro: aperta-as financeiramente de tal forma que elas limitam as contratações e pagam salários baixos. Os profissionais têm que lutar através dos seus sindicatos, tal como no setor privado os empregados lutam contra a exploração dos patrões. Pior: o Estado abusa da sua posição dominante e faz algo que ele próprio é suposto fiscalizar e punir: não paga!
Os jornais dos Açores noticiaram que o Governo Regional deve 243 mil euros ao Instituto São João de Deus, colocando em risco o internamento de toxicodependentes. Pensem bem: o Governo negoceia com as IPSSs planos e objetivos; regateia os apoios; não revê as diárias, obrigando as instituições a recorrer a trabalho precário e mal pago, a usar equipamento e instalações desadequados. E, no final, não paga!
Não sei como lida a Casa de Saúde com esta dívida. Mas outras instituições recorrem a empréstimos bancários para pagar a tempo ao seu pessoal e aos fornecedores. Têm por isso que suportar juros- que o Governo não paga!
Temos partidos políticos que dizem que a solução é menos Estado, que o capitalismo funciona. Eu, que não estou a ver como é que tratar toxicodepentes pode dar lucro, digo que, pelo contrário, a solução é libertar o Estado do capitalismo.