Corridas de cavalos
É madrugada de segunda, estou a escrever este texto na ressaca de uma noite eleitoral onde a memória do Estado Novo parece ter sido esquecida 50 anos depois das primeiras eleições livres. Como se nota, não escrevo este texto a pensar em toda a gente, escrevo-o para o leitor e leitora que se alinha com uma visão verdadeiramente democrática da sociedade, o que implica a defesa dos direitos que são, aliás, sinónimo de liberdade (um direito é uma escolha possível, não um dever). Escrevo este texto, também, como candidato, mesmo que esta opinião só me vincule a mim, por ter a experiência de fazer campanha nestas eleições. Pasme-se, será, claro, esse o tema deste texto.
É uma noite forte, emotiva pela negativa. A esquerda perdeu em Portugal (e nem estou a falar do PS). Mesmo com a subida do Livre, houve perda de mandatos. O Bloco de Esquerda teve uma pesada derrota, passando a ter uma só deputada, Nos Açores, pela primeira vez superámos a percentagem nacional – o que é, claro um mau prenúncio. Tivemos pouco mais de 2%. Não é o pior resultado do Bloco nos Açores, mas quase. Enquanto candidato, tomo a responsabilidade de refletir mais do que todos. Permitam-me o desabafo: esta foi uma campanha muito exigente, com uma presença quotidiana na rua, em reuniões, no porta-a-porta. Mesmo nas ilhas sem o candidato foi feito porta-a-porta. Trata-se de um esforço imenso para tão poucos voluntários. Uma grande preocupação minha agora é dizer a essas pessoas que devem ter orgulho de terem colocado tanto tempo e energia das suas vidas nessa demanda, porque não é toda a gente que se dispõe a isso a troco de esperança num mundo melhor. Certamente que nos cabe refletir e tomar consequências a partir deste resultado, mas também precisamos de reconhecer que vivemos em tempos cinzentos (não podemos cruzar os braços, mas também não podemos esperar milagres). Os resultados regionais seguem os nacionais, tornando-se evidente a predominância dessa tendência quando a comparamos às intensidades da campanha das várias candidaturas.
Confesso que das coisas que mais me doeu foi ver que em Santa Maria, ilha onde nasci, cresci e sempre contribui como pude, não tive qualquer impacto. Pela primeira vez um mariense foi cabeça-de-lista. Não duvido, contudo, que muitas serão as vozes que amanhã dirão que as ilhas pequenas nunca são ouvidas, que os jovens não se interessam por política, que os políticos são todos iguais.
Ganhou o partido do homem que decidiu sozinho que um país devia ir a eleições, porque não quis ser transparente. Ganhou um partido de escândalos, que nestas eleições nem quis partilhar a cara dos seus candidatos – não precisava, parece que é de um homem só.
Depois da heterocrítica, vem a autocrítica. Tenho algumas confissões: protagonizar uma campanha de âmbito geográfico mais alargado tornou evidente as suas lógicas performativas, e por isso e não só, senti-me quase «mais do mesmo». Posteriormente hei de desenvolver este raciocínio.
O importante agora é ninguém saltar do barco, é ninguém largar a mão de ninguém. Temos um forte risco de retrocesso à nossa frente. A vida vai piorar.
Temos de pegar nesta nova realidade e perceber que a política não se esgota no parlamento. Toda a ação que tomamos tem um valor político. Se falarmos, então, de um papel ativo na comunidade mais político é. Desde a ação informal de ajudar o vizinho, àquela formal de participar numa associação, nós somos agentes de mudança, podemos ter uma ação direta na comunidade, mesmo que seja em contramão em relação à visão do governo.
Tenhamos a ousadia de o fazer para construirmos nós próprios uma vida digna.