Em quatro dias houve três agressões em Portugal imputadas a neonazis. Espancaram atores, voluntárias que alimentavam pessoas em situação de abrigo – um polícia que interveio-, e também um homem que lhes apareceu. A primeira versão do Relatório Anual de Segurança Interna tinha um capítulo que abordava a violência provocada por grupos da extrema-direita. O governo decidiu suprimir esse capítulo. Pelas piores razões sabemos hoje a ameaça que estes grupos constituem – e este é só o começo. Também há pouco tempo foi noticiado o esforço que existe para constituir uma milícia. Não estamos a falar de escaramuças políticas pontuais, mas de violência organizada. Estamos a falar de um esforço de recrutamento que está a acontecer debaixo do nosso nariz. Como colocou a atriz e encenadora Maria do Céu Guerra: como é que isto é possível que no nosso país 30 anos depois de Alcindo Monteiro ter sido morto no Bairro Alto e envolvendo pessoas que participaram nesse crime?

Quando se fala sobre discurso de ódio, sobre a discriminação nas ações e que começa nas palavras, estamos, na verdade, a falar sobre a legitimação das ações discriminatórias. Estamos a falar de como normalizar o insulto pelo apela a caraterísticas leva ao sentimento de legitimação de formas de violência a pessoas meramente por possuírem essas características. Foi assim com o antissemitismo que levou ao holocausto, é assim com o racismo e a xenofobia em relação a grupos que, em bom rigor, são escolhidos como bodes expiatórios.

Aquilo que vemos em Portugal é o fortalecimento desse discurso de ódio, mesmo que se refute cada «argumento» apresentado, mesmo que se demonstre que a sua alimentação é à base da mentira. Neste momento a segunda força parlamentar em Portugal é o principal veículo desse discurso, pelo que a sua normalização nunca foi tão forte no Portugal democrático. Perdeu-se a vergonha. Hoje dizer que «era bom era no Estado Novo» já não é motivo de embaraço e, no limite, é tido com indiferença.

Aquilo que nos chega do redor do mundo é que esta insanidade é internacional. A violência que se antecipa em Portugal já existe noutros países e existem exemplos onde o poder foi tomado por essas ideologias autoritárias. Os Estados Unidos de Trump são o expoente: em menos de 6 meses, foi instalado um regime de terror que desumaniza os imigrantes, deporta-os indiscriminadamente, dispara sobre manifestantes, impede eleitos federais de acederem a instalações de detenção, algema um senador por abrir a boca, olha para o genocídio em Gaza e só diz que o local era ideal para uma resort, discrimina jornalistas, acaba com programas de ajuda humanitária, assedia cidadãos que contestam as suas posições, corta financiamento às universidades que não acarretam a sua censura,… Isto tudo naquela que é a «liderança do mundo livre». Nós não somos imunes.

Não nos podemos dar ao luxo de ficar calados e quietos. Não seremos coniventes com quem nos quer incutir o medo e tirar a liberdade.

Permitam-me terminar com as palavras de Lídia Jorge no discurso de 10 de junho de 2025 que podem ter passado um pouco ao lado:

«Mas alguma coisa desse outro fim de século, que se seguiu ao tempo da Renascença malograda, relaciona-se com os dias que estamos a viver. O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra redonda é disputada por vários pescoços em competição, como se mais uma vez se tratasse de um berloque.

E os cidadãos são apenas público, que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores. E os seus ídolos são fantasmas.»